Em um outro texto do Blog falamos sobre o autoconhecimento e a busca pelo sentido da vida. Este processo de empoderamento e de ressignificação da própria vida a partir das condições mais adversas possíveis, já foi descrito por alguns autores (Frankl, Jung, Sartre) que discutem a fundo o sentido da vida. A partir de muitas perspectivas filosóficas se assume o consenso de que a ideia de um sentido, enquanto aquilo que não somente dá uma direção, rumo ou meta, mas também atribui um significado mais profundo à própria existência, é algo fundamental para a manutenção da vida humana.
Como dizia Carl Jung “o homem não pode suportar uma vida sem sentido”. Assim, consideramos importantíssimo refletir sobre os motivos e as consequências que levam muitas pessoas a, em algum momento de sua história pessoal, perderem este sentido pela vida. Mesmo quando possuem objetivos claros que a movem, como a família, o trabalho, o dinheiro, as relações sociais, etc. Mas e quando todos estes objetivos perdem o sentido? A que se atribui esta perda de significado repentina, ou nem tanto?
Muitas questões filosóficas podem ser levantadas em relação às principais causas por estas crises de sentido na vida. Em termos gerais podemos dizer que este sentido não está a princípio nem no homem e nem no mundo, de uma forma exclusiva e absoluta. Porém, manifesta-se a partir de uma interação específica do homem com o seu meio, e que exige uma resposta do organismo no sentido de uma crescente adaptação a partir da transformação da dinâmica de sua relação com o espaço, o tempo e com os demais seres vivos.
Portanto, entende-se que existe uma complexidade crescente na busca pelo sentido da vida, conforme passamos por determinadas fases do desenvolvimento biológico, psicológico e social. Sabemos que, assim como o meio ambiente, os seres vivos também estão em constante transformação. Assim como no conto de Heráclito de que um homem não se banha duas vezes no mesmo rio, pois não será o mesmo homem nem o mesmo rio. Desta mesma forma, o sentido da vida não pode ser uma constante invariável. Pois, a vida não sendo a mesma, seu sentido não poderia continuar sendo o mesmo.
Não iremos aqui discutir as causas específicas sobre as mais diversas maneiras de simbolizar esta falta de sentido, nem tampouco apresentar algumas receitas prontas para a chave da felicidade e do sucesso. Se você estava esperando respostas prontas para questões profundas, sinto lhe informar, mas suas expectativas ficam por aqui. Nossa responsabilidade é de te colocar para pensar fora da consciência ordinária do cotidiano.
Para isso, precisaremos levar à atenção para um patamar panorâmico da história individual e coletiva a fim de compreender os enlaces da nossa história pessoal dentro do processo de desenvolvimento da própria humanidade. Para irmos destrinchando os nós que ficaram atrelados a sentidos obsoletos, que embora supostamente válidos no passado, perderam seu significado devido a algum processo de transformação mal concluído ou não elaborado.
Isto também pode acontecer por inúmeros motivos, mas na grande maioria dos casos existe algum trauma relacionado a perdas, seja ela do campo afetivo, financeiro, social, amoroso, profissional ou de qualquer uma das grandes áreas e temas que regem a vida. As quais o psicólogo Carl Jung atribui o conceito de arquétipos. Neste contexto estamos pensando os arquétipos no significado estrito da palavra enquanto tipos arcaicos, ou os padrões antigos que ainda regem a vida dentro destas grandes temáticas humanas entre elas o amor, o trabalho, a família, as relações sociais, a sobrevivência e a morte.
Portanto, dentro de uma perspectiva Jungiana trabalharemos com o tema da perda de sentido a partir do entrecruzamento das questões que envolvem o processo de individuação, a integração do inconsciente pessoal. Este processo pode ser resumidamente representado pela jornada do herói, sendo simbolizada pela relação com o medo, que pode ser facilitada por meio do acesso aos padrões que regem o inconsciente coletivo através dos arquétipos e das imagens arquetípicas.
Os arquétipos, enquanto estas grandes temáticas que regem a vida, também estão em constante transformação, de forma que os conceitos de família, trabalho, relações, amor, sobrevivência e até mesmo a própria morte estão constantemente sendo ressignificados pelas sociedades, culturas e civilizações ao longo da história.
Assim, podemos pensar que os grandes padrões e temáticas que envolviam a vida dos nossos pais, não necessariamente nos atenderão em relação aos nossos anseios, que representam o nosso processo de individuação. Este também pode ser entendido enquanto o processo de diferenciação das expectativas dos pais em relação à nossa própria vida. Na busca pela individualidade e pela totalidade, ou aquilo que não se divide. Aquilo que não se dividiria em última instância seria o próprio desejo, em outros termos o sentido. O processo de individuação é a representação da jornada do ego em direção ao self através da sombra (inconsciente).
A grande questão de uma boa análise gira em torno do desejo, e da desfragmentação dos cacos de sentido que ficaram perdidos ao longo da própria história. Como todo bom desejo, este nos conduz a uma totalidade ainda maior, ou a um sentido de pertencimento mais amplo que transcenda o próprio ego. Diferentemente dos prazeres compulsivos que visam, a grosso modo, uma satisfação momentaneamente egóica. Entendemos que o verdadeiro gozo para ser pleno precisa ser compartilhado, isto pressupõe uma entrega. A grande dificuldade é que toda entrega envolve um risco.
O que pode soar contraditório é que para estarmos plena e autenticamente ligados e conectados a uma totalidade maior, precisamos ter a nossa própria unidade bem estabelecida e consolidada. Isto significa que todo o trabalho de transcendência do ego pressupõe um ego, e não a ausência ou dissolução do mesmo dentro de outro organismo maior. Porém, o que interessa para a nossa análise é que o desejo, enquanto um representante, ou parte de um projeto maior que rege ou dá sentido para a vida, se relaciona com os arquétipos e com o inconsciente coletivo de uma forma praticamente constante.
O significado desta afirmação é que estamos sempre procurando por um sentido de desenvolvimento pessoal, a partir de um processo de desenvolvimento coletivo, social ou ambiental que representam os grandes desafios da humanidade em seu processo de evolução. Estes envolvem a necessidade de adaptação da própria espécie perante as grandes transformações históricas, políticas, econômicas, culturais, sociais e ambientais.
Isto pressupõe o desenvolvimento de recursos de sobrevivência, o que nos permite dizer que o que dá sentido para a vida é a manutenção da própria vida. Em termos de uma crescente qualidade e dignidade que expressem o propósito de que esta própria vida continue se manifestando dentro destes mesmos termos e condições.
A grande questão do desejo para a psicanálise envolve o reconhecimento das pulsões e dos instintos básicos de sobrevivência. Como dizia Freud, todo organismo vivo pulsa por algo. Enquanto este organismo, consciente da própria existência, encontra razões para lutar pela manutenção da própria vida, ou enquanto apresenta um sentido, motivação ou paixão para viver, este indivíduo encontra-se em pulsão de vida.
Por outro lado, quando se extingue este sentido, enquanto se amorna o fogo da paixão pela vida, a ponto deste organismo desistir de lutar pela manutenção da própria vida, este sujeito entra em pulsão de morte. Mesmo que conscientemente ou deliberadamente não expresse o desejo de morrer. Este indivíduo deixa de empregar os recursos de sobrevivência ligados as pulsões e aos instintos básicos a nível fisiológico, enquanto vai perdendo o desejo pela vida sua energia vital ou a libido deixa de ser empregada em processos relacionados à manutenção orgânica vital.
Este processo no qual se dá passagem da pulsão de vida para a pulsão de morte é muito sutil, até porque acontece em um nível fisiológico do sistema parassimpático, o que significa que se dá em um nível inconsciente, ou instintivo. Mas pode ser percebido e identificado, a partir de diversos sinais, pelos quais o inconsciente se comunica com a mente consciente. Como em sonhos, somatizações, através da manifestação de sintomas físicos ou psicológicos, comportamentos autodestrutivos e de risco, ou até mesmo através de ideações suicidas que a principio podem soar como fantasias ingênuas ou despretensiosas.
Estas ideias por mais simples e ingênuas que pareçam podem enviar mensagens inconscientes poderosíssimas para o organismo, no sentido de que a própria energia vital atende prontamente ao chamado do sistema parassimpático e começa a investir a libido disponível no sentido da aniquilação e destruição do próprio organismo. Por mais incrível que pareça algumas células do corpo podem começar a agir como inimigos, e passar a combater em um nível instintivo a própria vida.
Gostaríamos de lembrar neste Setembro Amarelo, que a verdadeira prevenção ao suicídio se dá no nível da consciência, justamente neste limiar onde se operam as fronteiras do invisível e do intangível, é que podem ser vencidas as verdadeiras batalhas da vida, partindo de um nível molecular até o nível social mais amplo. Portanto, reforçamos a máxima que todo o processo de transformação parte de dentro para fora, do micro para o macro. A melhor prevenção neste sentido é a manutenção do próprio sentido da vida.
Sabendo que não existe uma receita para a manutenção do desejo pela vida, entendemos que é a responsabilidade de cada consciência travar sua batalha na busca pelo sentido da própria existência. Este sentido não pode ser algo apenas atribuído por Deus, pelos pais, pela sociedade, pela moral e os bons costumes, mas representa algo que somente poderia satisfazer aquele indivíduo único, indivisível, dono das próprias verdades e convicções. Em outras palavras, um sujeito empoderado!
O verdadeiro sentido da vida se dá em busca das condições de um desenvolvimento digno para a manutenção e manifestação da própria vida. Nada como um sopro de juventude nos nossos corações para lembrar que a esperança do amanhã se constrói no agora. O sentido de superação só se dá nas fronteiras do desconhecido. Fora dos limites dos padrões pré-estabelecido. Na aceitação de suas limitações e que se pode superá-las.