Como a manipulação da culpa se constitui em um mecanismo de poder dentro das relações abusivas
Nos últimos textos trabalhamos com exaustão sobre o tema relacionamentos, e quanto mais avançamos nesta temática percebemos o quanto ela é vasta. Sabemos que um indivíduo é um universo em si mesmo, assim as relações são constelações sistêmicas que envolvem infinitas possibilidades que nunca se esgotam. Porém, assim como no grande universo, alguns padrões se destacam dentro de uma cadeia muito ampla de possibilidades como tendências previsíveis, que podem ou não vir a se realizar.
Nosso foco de interesse no sentido clínico é identificar os padrões somáticos das relações, de forma a contribuir com uma análise dos papéis subjetivos envolvidos na questão. A fim de se ampliar as perspectivas sobre estes próprios papéis, no sentido do tratamento dos sintomas que afetam ambas as partes, mantendo-os presos não somente ao vínculo e em si, mas aos próprios papéis que desempenham dentro destes padrões de relacionamento. Na verdade presos aos próprios sintomas.
Dentro dos padrões de relações tóxicas, trabalhamos recentemente com as relações abusivas que se apresentam como um perfil de relação com traços de dependência emocional muito característicos. Nestes casos, transfere-se um poder pessoal para o outro que se identifica com este poder, agindo algumas vezes de maneira tirânica, de forma a reforçar o vínculo de dependência.
Neste aspecto específico, existem muitas maneiras de se expressar esta dominação psicológica, porém, a maneira mais comum de atribuir poder a figura de alguém é colocá-la no lugar de juiz. Transferindo e projetando a idealização de uma entidade com um senso de valor moral, em muitos casos esta figura assume também o lugar de carrasco, como além de ser capaz de julgar nossas falhas morais, também estivesse autorizada a nos punir.
Das mais diversas formas de punição, a mais impiedosa de todas, dentro das relações abusivas, diz respeito à chantagem emocional. Ou seja, a maneira de barganhar afeto através do mecanismo de culpa, punição e absolvição. Desta maneira, a relação fica condicionada à repetição deste ciclo dentro de uma dinâmica obsessiva e compulsiva.
A identificação com os papéis subjetivos do culpado (réu) e do juiz (ou carrasco) reforça o vínculo a partir da vivência subjetiva com elementos regressivos da nossa própria história, por isso acabam gerando alguma dose de satisfação, ou como dizemos em análise, se constituí em um gozo mórbido. Neste sentido, o atendimento psicológico ajuda bastante na compreensão de qual é a função da necessidade de ainda (re) vivenciar estes papéis.
Entendemos que enquanto precisa-se experienciar determinados pontos de vista e perspectivas, algo ainda precisa ser elaborado a partir deste lugar, e possivelmente existe algum trauma permeando esta questão. Por este motivo a libido, ou energia psíquica para C. Jung, fica fixada em determinado ponto da história, precisando que o elemento traumático seja (re)vivenciado a fim de que a energia fixada no complexo seja liberada, e o individuo possa prosseguir com seu processo de individuação.
Para Jung a única coisa capaz de liberar a energia psíquica fixada nos complexos são os símbolos e o papel da psicoterapia simbólica junguiana é o de facilitar o contato com estes conteúdos inconscientes, oferecendo meios e recursos expressivos para que eles possam ser melhor elaborados e simbolizados, e desta forma integrados à consciência e ao ego.