No segundo capítulo do livro organizado por Carl Jung, ”O Homem e seus Símbolos”, chamado: “Os mitos antigos e o homem moderno”, Joseph Henderson fala sobre o processo de individuação do feminino a partir da ótica dos mitos masculinos do herói. Segundo este autor isto ocorre porque as mulheres também são forçadas a um processo de socialização aos moldes de uma civilização com base patriarcal. Porém, Henderson enfatiza que existe um conteúdo, ou como ele diz “uma camada mais profunda de suas mentes que parece vir à superfície dos seus sentimentos com o objetivo de torná-las mulher e não imitações de homem.”
Este conteúdo, quando emerge, costuma ser reprimido por entrar em contradição com as conquistas femininas de emancipação e competição com os homens, esta repressão pode mantê-la identificada aos objetivos intelectuais masculinos com o qual se familiarizou. Vale ressaltar que este texto foi escrito na década de 1950, época em que o movimento feminista ainda era incipiente nas vanguardas européias, mas J. Handerson já verificava a ocorrência de “conflitos que forçavam as mulheres a redescobrir de maneira dolorosa (mas sumamente gratificante) a sua sepultada feminilidade.”
No conto “A Bela e A Fera”, a mais jovem de quatro irmãs, tornou-se, graças à sua bondade e abnegação, a preferida do pai. Quando em lugar dos caros presentes exigidos pelas irmãs, ela pede apenas uma rosa branca. Seu pai, ao roubar a rosa do jardim encantado da Fera, é preso por ela, que agindo de maneira contrária ao seu caráter, lhe permite que ele volte para casa para entregar seu presente à filha, mas exige que ele volte dentro de três meses para ser punido, provavelmente com a morte. Como comenta o pai de Bela ao chegar em casa, a Fera parece ser ao mesmo tempo bondosa e cruel.
Bela, tomada de culpa por inconscientemente ter colocado o pai em perigo, vai para o castelo da Fera para receber a punição em seu lugar, chegando lá a Fera se apaixona por Bela, que é instalada num lindo quarto. A Fera tenta a todo custo se casar com ela, que sistematicamente recusa. Um dia Bela pede para ir ver seu pai que estava doente, e promete voltar em uma semana, a Fera deixa-a ir, dizendo-lhe que morrerá se ela a abandonar.
Já na casa do pai, Bela compreende então que também não poderá viver sem a Fera a quem ama. Confessa-lhe este amor e jura se entregar, desde que a Fera se esforce por restabelecer-se. Enquanto ela se declara o castelo se enche de luzes e a Fera se transforma num lindo príncipe, que conta ter sido encantado por uma feiticeira e transformado em Fera. O feitiço havia de se acabar quando uma bela jovem o amasse somente pela sua bondade.
O simbolismo do conto elucida a ligação afetiva de uma jovem com o pai, que numa intenção inconsciente o coloca em perigo, com a função de “ser salva de um amor que a mantém virtuosa, mas em uma atitude irreal. Ao aprender a amar a Fera, a Bela desperta para o poder do amor humano disfarçado na sua forma animal (e portanto imperfeita), mas também genuinamente erótica. Desta maneira liberta-se a si, e a imagem que faz do homem, das forças repressivas que a envolvem, tomando a consciência da sua capacidade de confiar no amor como um sentimento onde a natureza e espírito estão unidos, no mais elevado sentido destas palavras.”
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